A Alma no Relato da Torá

Autor/Fonte: Rav Jaim D. Zukerwar (http://www.halel.org)

Tradução: Frater Goya (Anderson Rosa)

 

Bamidbar

        

            Kóraj

Kóraj junto a 250 líderes comunitários se apresentaram diante de Moshé e Aharão exigindo reestruturar certos princípios da Tora ((Zóhar – Parashát Kóraj HaSulam). Moshé lhes explica que suas exigências são contrárias aos Princípios Espirituais. Kóraj e seus seguidores não aceitam seus argumentos e o desafiam. HaKadósh Barúj Hú disse a Moshé que a comunidade deve livrar-se dos rebeldes. Imediatamente abriu-se a terra e os tragou. Os sobreviventes começaram a murmurar contra Moshé, responsabilizando-o da morte de Kóraj e seus partidários. Então uma praga matou outras catorze mil e setecentas pessoas. Apagando-se assim a lembrança de Kóraj e todos os seus seguidores da congregação de Israel.


Nosso nascimento e a vida são fenômenos independentes da nossa vontade. Não pedimos para nascer nem para existir. Por sua vez, toda pessoa normal ama a vida. O fenômeno da existência engloba dois componentes, um passivo: o nascimento e a vida e outro ativo: o amor pela vida. O amor que cada indivíduo professa por seus entes queridos, seu povo e sua tradição é sua forma de relacionar-se com o essencial, o que transcende as palavras, aquilo que não se pode explicar, como a vida mesma. Quando amamos, o coração inspira a mente a desenvolver as estruturas que dêem suporte e continuidade a esse amor. O objetivo da educação judia consiste em orientar essa força essencial, esse amor, ao âmbito da unidade onde compreendemos que nossas diferenças são exteriores, secundárias, e que em última instância todos somos parte da mesma Realidade Infinita. O único bem possível é aquele que nos inclui a todos. Em hebraico Amor/Ahava e Uno/Ejad possuem o mesmo valor numérico, 13. A Tora nos ensina que 13 são as medidas com as quais se governa e compreende ao mundo, 13 assinala o Amor Superior, o altruísmo, a única energia capaz de unificar e harmonizar aos opostos.

 

Reconhecendo-nos
Consciência é a propriedade da alma de ir reconhecendo-se no HaKadósh Barúj Hú, já que “ali está” sua origem e identidade. Assim como os corpos e objetos materiais se separam temporal e espacialmente, as almas – entes incorpóreos – se separam quando possuem objetivos distintos. Quanto maior a diferença no objetivo, maior será a distância espiritual e, portanto, diferente será a consciência da realidade. De forma contrária, quando se compartilha um mesmo objetivo surge a unidade, a fusão em todos os âmbitos. Assim cada alma, quando descobre o desejo altruísta, o bem coletivo, ainda que encontrando-se revestida num corpo diferente, manifesta um aspecto da realidade infinita.

 

 
Memoria Coletiva

As lembranças são os componentes fundamentais da identidade. Um indivíduo, uma família, uma nação não podem existir como tais sem memória. Quanto mais lembranças, mais intenso será o sentido de pertinência e identidade. Daí a insistência da Tora em manter viva a lembrança: Lembra o dia que saíte de Mitzraim/Egito todos os dias de tua vida. Não te esqueças o que viram teus olhos o dia que estiveste diante ao  HaKadósh Barúj Hú no Jorev (a entrega da Tora). Recorda o dia do Shabat para santifica-lo. Recorda o ato da Criação, etc. Recordar é evocar algo que conhecemos. A Tora nos pede que recordemos as situações arquetípicas que ativam o elo essencial da alma. Quando as evocamos, ativamos nossa memória coletiva e, então, tomamos consciência de nossa identidade.
A Conciência de ser

Somente no Uno, no HaKadósh Barúj Hú “somos”, mas para sabe-lo e sê-lo devemos recuperar essa conciencia. Como fazê-lo? Ativando a linguagem que evoca e ativa essa recordação. O estudo da Tora, da Kabalá, e o desafio de realizar atos de bem/mitzvót nos dá a linguagem e as vivências que ativam nossa memória e nossa recordação de quem realmente somos.
Como Perceber a Realidade?

Podemos adotar duas formas gerais de perceber a realidade – uma objetiva: superar nossas debilidades e outra subjetiva: justifica-las. Kóraj foi subjetivo, ele o conduziu distorcendo a realidade espiritual, quis “fazer-nos recordar” algo que não é verdade e por isso a terra o tragou. O Midrásh nos ensina que a boca destinada a tragar Kóraj foi criada antes do mundo, ou seja, que tudo o que não esteja dentro do Plano Universal finalmente desaparecerá.
Torá: um Objetivo Universal

Os seres humanos foram criados com um propósito: ser cada vez melhores, mais altruístas. Quando incentivamos sistemas educativos que justificam a debilidade humana em lugar de superar-nos perdemos a consciência de nosso objetivo. A história demonstrou como grandes culturas desapareceram e a sociedade degenera quando a educação não consegue fortalecer a vontade para que supere os instintos e desejos inferiores. A Tora e as mitzvót, por outro lado, mantém o ser humano alerta com respeito a essas formas de vida protegendo a humanidade para que o “antídoto contra o egoísmo” siga seu caminho.

A Tora abarca setenta graus de compreensão e aplicação das mitzvót, e não setenta interpretações como muitas vezes se disse. Sob esses setenta graus já não há mais Luz senão que é tudo obscuridade, egoísmo e auto-justificação. Por outro lado, quando ascendemos sobrepondo-nos a nossas debilidades, cada grau é um nível mais intenso da Luz Infinita. Tais graus são degraus espirituais pelos quais a alma ascende gradualmente ao ir transformando seu desejo egoísta em altruísmo, até finalmente ser em HaKadósh Barúj Hú.



Saber para Ser

Partindo da perspectiva judaica, o saber, o intelectual, não é um fim em si mesmo, senão um meio para desenvolver nossa potencialidade de dar e beneficiar. O verdadeiro Sábio judeu é o homem que dedica sua vida a aprofundar-se no estudo e a prática das leis que logram harmonizar ao homem com seu semelhante e com a Energia Infinita que nutre toda a realidade. A Energia Infinita pode revelar-se de duas formas: manifestando todo seu potencial ou gradualmente. HaKadósh Barúj Hú criou o mundo mediante a medida, então graduou seu potencial infinito, o qual gerou etapas e medidas a partir das quais nós podemos conhecer e conhece-Lo estabelecendo relações lógicas de causa e conseqüência. O conhecimento dessa sabedoria – Kabalá – é a chave para ser plenamente. A Kabalá é a Sabedoria que pode livrar-nos das dúvidas e da crença sem argumentação, a qual gera ignorância, medo, e finalmente egoísmo. O desconhecimento da sabedoria da Kabalá foi e é a causa de que gerações inteiras busquem respostas a suas questões na mística e numa intelectualidade sem coração. Ditas respostas conduzem a uma pseudo espiritualidade e a concluir que o mundo é caótico e regido pelo azar. Assim foi sistematicamente desvirtualizando-se o judaísmo e provocando o desconhecimento dos objetivos da Tora de Israel.

Não Há Nada Novo Sob o Sol

O Rei Shlomo em seu livro Kohélet (Eclesiastes) descreveu a vanidade na qual se vem resumidos os indivíduos que se encontram distantes da verdadeira sabedoria e o erro de seus caminhos, conseqüência de sua ignorância. Quem contempla o mundo exteriormente, aparentemente não há um ordem nem tampouco justiça. Mas a sabedoria da Kabalá nos permite entender o porque de toda situação de modo profundo e abarcativo demonstrando-nos como tudo provém do HaKadósh Barúj Hú e é parte de um processo que tem como objetivo revelar finalmente o bem absoluto.

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