Sobre os Pequenos Tiranos no Caminho do Guerreiro

Por: Carlos Castañeda – O FOGO INTERIOR (livro original)
Adaptação livre de: Frater Goya (Anderson Rosa)

“A vaidade é nosso maior inimigo, pense sobre isso… o que nos enfraquece é nos sentirmos ofendidos pelos feitos e desfeitas de nossos semelhantes. Nossa vaidade faz com que passemos a maior parte de nossas vidas ofendidos por alguém. Os novos videntes recomendavam que todo esforço devia ser feito para erradicar a vaidade da vida dos guerreiros. Eu segui aquela recomendação, e muitos dos meus esforços com você têm sido dirigidos a mostrar-lhe que, sem vaidade, somos invulneráveis.” – Don Juan Matos.

Conta-se que os videntes, antigos e novos, são divididos em duas categorias. A primeira é composta por aqueles que se dispõe a exercitar o autocontrole e são capazes de canalizar suas atividades para metas pragmáticas, que iriam beneficiar outros videntes e o homem em geral. A outra categoria é formada pelos que não se interessam pelo autocontrole ou qualquer meta pragmática. É consenso entre os videntes que os últimos não conseguiram resolver o problema da vaidade.

A vaidade não é algo simples e ingênuo. De um lado, é o núcleo de tudo que é bom em nós e, por outro, o núcleo de tudo o que não presta. Livrar-se da vaidade que não presta requer prodígios de estratégia. Através dos tempos, os videntes renderam homenagens àqueles que conseguiram. Para se seguir a trilha do conhecimento é preciso ser muito imaginativo.

Na trilha do conhecimento, nada é tão claro como gostaríamos que fosse. os guerreiros combatem a vaidade por uma questão de estratégia, e não de princípio. O grande erro é compreender essa explicação em termos morais. Embora pareça ser uma moral, na verdade, chama-se de Impecabilidade. A impecabilidade nada mais é do que o uso apropriado da energia.

Essas afirmações não tem um pingo de moralidade. Economizando energia, me torno impecável. Para saber disso, é necessário se economizar energia suficiente. Para poupar energia, os guerreiros elaboram listas estratégicas. Anotam tudo o que fazem. Depois decidem quais dessas coisas podem ser mudadas de modo a permitir que poupem parte da energia que dispendem. Essa lista cobre apenas padrões de comportamento que não são essenciais à sobrevivência e ao bem-estar.

Uma das primeiras preocupações dos guerreiros é libertar aquela energia para poder encarar o desconhecido com ela. A ação de recanalizar aquela energia é a impecabilidade. A estratégia mais eficaz elaborada pelos videntes da Conquista, mestres inquestionáveis da espreita. Consiste de seis elementos que interagem entre si. Cinco deles são chamados de atributos do guerreiro: controle, disciplina, paciência, oportunidade e vontade. Estes dizem respeito ao mundo do guerreiro que está lutando para perder a vaidade. O sexto elemento, talvez o mais importante de todos, pertence ao mundo exterior, e é chamado de pequeno tirano. Um pequeno tirano é um atormentador. Alguém que ou mantém poder de vida e morte sobre guerreiros ou simplesmente os perturba, levando-os à distração.

Os novos videntes desenvolveram sua própria classificação de pequenos tiranos; embora o conceito seja uma de suas descobertas mais sérias e importantes, os novos videntes tinham senso de humor a esse respeito. Há uma isca de malícia em cada uma dessas classificações, pois o humor era o único meio de fazer frente à compulsão da consciência humana de elaborar listas e classificações incômodas.

Os novos videntes, de acordo com a sua prática, acharam oportuno encabeçar sua classificação com a fonte primária de energia, o único e absoluto governante do universo, e chamaram-no simplesmente de Tirano. O restante dos déspotas e autoritários foi considerado, naturalmente, infinitamente abaixo da categoria de tirano. Comparados à fonte de tudo, os homens mais assustadores e tirânicos são bufões; em conseqüência disso, foram classificados de pequenos tiranos, pinches tiranos.

Há duas subclasses de pequenos tiranos inferiores. A primeira subclasse reune os pequenos tiranos que perseguem e infligem miséria, mas sem chegar a causar a morte de ninguém. Esses foram chamados de pequenos tiraninhos, pinches tiranitos. A segunda consistia dos pequenos tiranos que são apenas desesperantes e aborrecidos ao extremo. Estes foram chamados de minúsculos tiraninhos, repinches tiranitos, ou minúsculos pequenos tiraninhos, pinches tiranitos chiquititos. Por mais que essas classificações pareçam à primeira vista ridículas, elas são excelentes segundo a classificação dos novos videntes. Os novos videntes eram terrivelmente irreverentes.

Os pequenos tiraninhos são ainda divididos em quatro categorias. Uma que atormenta com brutalidade e violência. Outra que o faz criando uma ansiedade intolerável através da desonestidade. Outra que oprime com a tristeza. E a última, que atormenta fazendo os guerreiros se enraivecerem.

Os novos videntes conceberam uma manobra mortal, na qual o pequeno tirano é como um pico montanhoso e os atributos do guerreiro são como alpinistas que se encontram no topo.

Normalmente, apenas quatro atributos são usados. O quinto, a vontade, é sempre reservado para uma confrontação extrema, quando os guerreiros estão diante do esquadrão de fuzilamento, por assim dizer. A vontade pertence à outra esfera, o desconhecido. Os outros quatro pertencem ao conhecido, exatamente onde estão alojados os pequenos tiranos.

O que transforma os seres humanos em tiranos é precisamente a manipulação obsessiva do conhecido.

Uma das maiores conquistas dos videntes da Conquista é um conceito chamado de progressão de três fases. Compreendendo a natureza do homem, eles foram capazes de chegar à incontestável conclusão de que, se os videntes conseguem manter-se inteiros ao defrontar-se com pequenos tiranos, podem certamente encarar o desconhecido com impunidade, e então podem suportar até mesmo a presença do incognoscível. Um homem comum pode pensar que a ordem dessa afirmação deveria ser invertida. O vidente que pode permanecer inteiro em face do desconhecido pode certamente encarar pequenos tiranos. Mas não é assim. O que destruiu videntes soberbos dos tempos antigos foi essa presunção. Agora, já se sabe.

Sabe-se que nada pode temperar tanto o espírito de um guerreiro quanto o desafio de lidar com pessoas intoleráveis em posições de poder. Apenas sob essas condições podem os guerreiros adquirir sobriedade e serenidade para suportar a pressão do incognoscível.

Os novos videntes compreenderam que existem quatro passos no caminho do conhecimento: O primeiro passo é a decisão de tornar-se aprendiz. Depois que os aprendizes mudam sua visão sobre si mesmos e sobre o mundo dão o segundo passo e tornam-se guerreiros, ou seja, seres capazes de extrema disciplina e autocontrole. O terceiro passo, depois de adquirirem paciência e senso de oportunidade, é tornar-se um homem de conhecimento. Quando homens de conhecimento aprendem a ver, dão o quarto passo, tornando-se videntes.

Os homens comuns enganam-se ao se confrontarem-se com pequenos tiranos sem possuírem uma estratégia que os apóie; a falha fatal é que os homens comuns levam-se por demais a sério; suas ações e sentimentos, assim como as ações e sentimentos dos pequenos tiranos, são de suma importância.

Os guerreiros, por outro lado, não apenas têm uma estratégia bem elaborada como estão livres da vaidade. O que restringe sua vaidade é que eles compreenderam que a realidade é uma interpretação que fazemos. Esse conhecimento era a vantagem definitiva que os videntes tinham sobre os espanhóis simplórios.

Pode-se derrotar um pequeno tirano a partir de uma única percepção: a de que os pequenos tiranos levam-se mortalmente a sério, ao contrário dos guerreiros. O que geralmente nos exaure numa situação de confronto com um pequeno tirano, é o desgaste em nossa vaidade. Qualquer homem que tenha um pingo de orgulho dilacera-se quando o fazem sentir-se desvalorizado. Dominar o espírito quando alguém está pisando em você chama-se “controle”.

Ao invés de sentir pena de si mesmo, o guerreiro busca informações que possam ajudá-lo a vencer a situação, mesmo estando em desvantagem. Juntar toda essa informação, enquanto estão batendo em você chama-se “disciplina”.

Saber que está esperando e pelo que se está esperando. Essa é a grande alegria do guerreiro. O sentido de oportunidade do guerreiro é a qualidade que governa a liberação de tudo o que está contido.

Controle, disciplina e paciência são como um dique por trás do qual tudo é represado. O sentido de oportunidade é a abertura do dique. Paciência significa reter com o espírito algo que o guerreiro sabe que, por justiça, deve fazer. Isto não significa que um guerreiro saia por aí planejando causar prejuízos a alguém ou acertar contas passadas. A paciência é algo independente. Desde que o guerreiro tenha controle, disciplina e sentido de oportunidade, a paciência assegura dar o que se deve a quem quer que o mereça.

Mesmo os mais minúsculos tiranos podem derrotar um guerreiro a qualquer tempo. As conseqüências não são tão medonhas como no passado. Hoje, os guerreiros podem recuperar-se e voltar mais tarde. No entanto, ser derrotado por um minúsculo pequeno tiraninho não é mortal, mas é devastador. O grau de mortalidade, no sentido figurado, é quase tão alto.

Isso quer dizer que, os guerreiros que sucumbem a um minúsculo pequeno tiraninho são eliminados pelo seu próprio senso de fracasso e inutilidade. Isto pode significar alta mortalidade. Todos que se juntam ao pequeno tirano são derrotados. Agir com raiva, sem controle e disciplina, não ter paciência, é ser derrotado. Após este fato, ou os guerreiros se reagrupam ou abandonam a busca de conhecimento e juntam-se às fileiras dos pequenos tiranos por toda a vida.

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