Restaurando a Heptarquia Enoquiana

24 de fevereiro de 2014

Por Aaron Leitch

Tradução e Notas: Frater Goya

Fonte: https://www.llewellyn.com/journal/article/2423

Meu terceiro livro sobre o sistema enoquiano de magia angélica se chama O “Grimório Enoquiano Essencial” e — como o próprio nome indica — contém instruções passo a passo para invocar alguns dos anjos mais poderosos do universo. Pode ser o primeiro e único livro enoquiano que você carregará consigo com um círculo mágico enquanto trabalha, em vez de guardá-lo em uma estante como material de referência.

Caso você nunca tenha ouvido falar de magia enoquiana, nós temos o que você precisa. Como prelúdio para o lançamento do livro, escrevi um breve artigo intitulado “O que é Magia Enoquiana?” (As Duas Tradições Místicas de Enoque, o Profeta). Se você se interessa por magia enoquiana (ou se ela, talvez, o evoca em seus sonhos), então “Grimório Enoquiano Essencial”é uma ótima introdução à sua história, cosmologia, ferramentas e aos próprios anjos (seus nomes, aparências, funções, etc.). Também servirá como um guia de estudo para pesquisas futuras e, claro, fornecerá um manual prático.

Enquanto isso, aqueles que já estudam o sistema podem ter achado o título deste artigo um tanto curioso. Heptarquia (regência sétupla) é o nome dado ao sistema enoquiano de magia planetária com anjos. O Dr. John Dee e seu vidente Edward Kelley deixaram diários descrevendo os nomes dos anjos heptárquicos, suas aparências e funções, sigilos e até mesmo um grimório (basicamente um conjunto de notas de trabalho aleatórias) chamado De Heptarchia Mystica, que fornece as invocações para invocá-los. O que, exatamente, precisa ser restaurado?

O Problema da Heptarquia

O problema reside nas funções dos anjos heptárquicos. Dee registrou essa informação em seus diários, mas se você já tentou entendê-la, provavelmente se deparou com um obstáculo. Primeiro, vejamos um gráfico das funções angélicas (que você pode encontrar online no famoso e incrivelmente útil Enochian Magick Reference)¹ em seu estado atual:

Funções de anjo heptárquicas (com erros)

A primeira coisa que chama a atenção neste mapa é que não há funções para o Rei Angélico da Lua ou o Príncipe de Vênus. Em seguida, um olhar mais atento revela que algumas das funções dos príncipes não se alinham com as de seus Reis: o Rei de Júpiter governa a “vida de todas as coisas”, enquanto seu Príncipe governa a “terra”. No entanto, o Rei de Mercúrio governa a “terra e seu conteúdo”, enquanto seu Príncipe governa a “vida”. Certamente parece que algo foi trocado. Em uma troca semelhante, o Rei de Vênus governa os “poderes do ar”, enquanto o Príncipe da Lua governa o “ar e os espíritos invisíveis”.

Aqueles familiarizados com os sistemas modernos de magia planetária podem ter algumas perguntas secundárias: por que os anjos de Marte (um planeta ígneo) governariam as águas e os mares? Por que o Rei de Mercúrio (um planeta associado à comunicação e às viagens) se preocuparia com a Terra e o que existe abaixo dela? Por que Saturno (um planeta terrestre²) deveria ser designado para o fogo e para expulsar espíritos malignos? E por que o Rei de Vênus (fogo e paixão) governaria o ar?

Você pode imaginar que essa lista aparentemente corrompida de funções angélicas faria muitos aspirantes a magos da Heptarquia desistirem completamente do sistema, em desespero. E você estaria certo. Nem mesmo Dee fez as correções; ele compilou seu grimório “De Heptarchia Mystica³” com os erros ainda intactos. Antes que eu pudesse ter a esperança de publicar meu próprio Grimório Enoquiano, tive que restaurar essas informações.

Restaurando a Heptarchia

(Nota: Todos os números de páginas e referências de notas de rodapé neste artigo foram retirados de “Five Books of Mystery”, de John Dee, de Joseph Peterson. Também fornecerei as datas das entradas caso você esteja usando uma fonte diferente para os registros de Dee.)

Acontece que a sorte estava do meu lado nessa empreitada. Dee pode não ter feito as correções em seu próprio grimório, mas certamente estava ciente do problema. Como veremos a seguir, ele aborda a questão — pelo menos em parte — em algumas anotações marginais obscuras em seus diários. Se levarmos isso em consideração, juntamente com informações espalhadas por suas entradas sobre Heptarquia, podemos finalmente corrigir o gráfico das funções dos anjos heptárquicos. Então, vamos dar uma olhada nas entradas relevantes do diário.

As informações que buscamos foram reveladas ao longo de vários dias em novembro de 1582 pelo Rei e Príncipe reinante da Heptarquia — o Rei Baligon e o Príncipe Bagenol. No entanto, esses anjos estavam trabalhando sob seus títulos honorários na época: Rei Carmara e Príncipe Hagonel — os nomes que usavam como governantes supremos da realeza heptárquica. Como Baligon e Bagenol, eles governam Sexta-Feira e o planeta Vênus.

Primeiramente, Dee e Kelley tiveram uma audiência com o Príncipe Hagonel (ver p. 194-201; 16 de novembro de 1582). Durante essa sessão, Hagonel revelou os poderes e funções de todos os príncipes heptárquicos, exceto o seu. No dia seguinte, ele revelou um quadrado de palavras contendo os nomes de 42 anjos ministradores que, ao que parecia, o serviam diretamente (ver p. 203-207; 17 de novembro de 1582):

Nas sessões seguintes, o Rei Carmara revelaria mais seis quadrados de letras — cada um contendo 42 anjos ministradores designados a um Rei e um Príncipe.

Vários dias depois, Dee observa na margem de seu diário que algo parecia estar errado com as informações que Hagonel lhe dera (ver p. 236, nota de rodapé 273; 20 de novembro de 1582):

Enquanto no Tratado anterior, havia uma dúvida sobre Butmono, o quarto, e Blisdon, seus cargos, sendo aqui atribuídos de forma claramente contrária. […] Portanto, suspeito que algum intruso tenha primeiro… [texto ausente].

Como é comum nos casos em que as revelações angélicas de Dee se mostram erradas ou corrompidas, ele presumiu que um espírito maligno havia se intrometido na sessão.

Esta nota também nos traz nossa primeira correção, informando-nos que as funções dos príncipes de Júpiter e Mercúrio (Butmono e Blisdon) foram transpostas. Se os invertermos em nosso mapa, descobriremos que um grande problema foi resolvido: o Rei e o Príncipe de Júpiter agora governam a “vida”, e o Rei e o Príncipe de Mercúrio governam a “terra”.

Restam apenas os anjos de Vênus e da Lua — onde duas funções estão ausentes e duas parecem estar invertidas. Se fizermos outra troca, teremos o Rei e o Príncipe de um planeta governando os espíritos do Ar, enquanto o Rei e o Príncipe restantes não têm função. Mas quais dos dois deveriam governar os espíritos do Ar?

É aqui que entram em jogo os quadrados de palavras dos Ministros Angélicos. Acontece que os ministros que pareciam pertencer a Hagonel não eram, de fato, seus. Os ministros designados para Sexta-Feira e Vênus seriam revelados por Carmara três dias após a sessão com Hagonel (ver p. 243, 20 de novembro de 1582):

Carmara diz sobre esses ministros e seus próprios poderes: “Destes, eu sou o próprio governador. […] Veja o que pode ser feito, em todas as ações aéreas, eu posso distribuir e conceder conforme meu prazer.”

Assim, sabemos que os poderes associados a Sexta-feira/Vênus são todos aéreos. Olhando novamente para o nosso mapa de funções angelicais, vemos que o Rei Baligon (Carmara) está corretamente atribuído aos “poderes do ar”. Isso significa que o erro está nos príncipes Bagenol e Bralges. Se invertermos suas funções, descobrimos que o Rei e o Príncipe de Vênus regem os “espíritos do ar e do ar”, enquanto o Rei e o Príncipe da Lua (Blumaza e Bralges) ficaram sem funções.

A tarefa final, então, é descobrir as funções ausentes dos anjos lunares.

Primeiro, devemos considerar os seis quadrados de palavras revelados pelo Rei Carmara (ver p. 216-243; 17 de novembro de 1582). Em seguida, ele atribuiu a Dee os ministros para domingo (Sol), terça-feira (Marte), quinta-feira (Júpiter), quarta-feira (Mercúrio), sábado (Saturno) e sexta-feira (Vênus). Notavelmente ausentes estão os ministros para segunda-feira — o que significa que o quadrado anteriormente atribuído por Hagonel deveria, na verdade, pertencer à Lua.

Acontece que Hagonel declarou os poderes associados a esses ministros (ver p. 206; 17 de novembro de 1582):

Portanto, se quiseres trabalhar com os reis…, tudo o que fizeres em seus domínios… tudo servirá aos propósitos e intenções pertencentes aos reis.

Se este for de fato o quadrado lunar dos ministros, então deveria pertencer ao Rei Blumaza e ao Príncipe Bralges. E seus poderes — ausentes no mapa — são governar os assuntos dos reis terrenos.

O próprio Dee verifica isso em uma notação marginal que ele adicionou à entrada de 16 de novembro de 1582 (ver p. 201, nota 78):

Concluo que Blumaza é o Rei e governa os reis da Terra…

Assim, podemos ter certeza de que encontramos os poderes que faltavam aos anjos lunares. Vejamos agora um mapa restaurado das funções angélicas:

Funções dos Anjos Heptárquicos (Restauradas)

Esses são os poderes dos anjos heptárquicos como você os encontrará no “Grimório Enoquiano Essencial”.

A última coisa que gostaria de abordar são as questões secundárias que mencionei, já que muitas dessas funções não correspondem aos poderes que comumente atribuímos aos Planetas na astrologia atual. Isso ocorre principalmente porque a magia e a astrologia renascentistas frequentemente viam as coisas de uma maneira um pouco diferente do que estamos acostumados a ver.

Considere os poderes da sabedoria, da ciência e da alquimia — todos os quais normalmente associaríamos a Mercúrio hoje. No entanto, na época de Dee, essas coisas poderiam ser facilmente classificadas sob o Sol. O Sol era a fonte de toda a luz, conhecimento e sabedoria para o mundo. Todos os mistérios científicos e alquímicos eram considerados contidos em seus raios. A arte da vidência era considerada uma prática lunar, pois acreditava-se que a bola de cristal (como a Lua) refletia a luz do Sol, revelando assim qualquer conhecimento.

Certamente parece estranho que Marte, o planeta da guerra, se preocupe com a água e o mar. A menos que você considere que Marte é o planeta regente de Escorpião — o signo Fixo de Água. Portanto, as batalhas mencionadas no mapa são especificamente batalhas navais.

E quanto a Mercúrio, o planeta da invenção, da ciência e da comunicação, ser atribuído à Terra e “ao seu conteúdo” (ou seja, a tudo o que está enterrado na Terra)? Isso faz mais sentido quando se entende que o deus Mercúrio (ou Hermes) era entendido como o psicopompo — o ser que guia as almas dos mortos para o submundo. Hermes estava tão intimamente ligado ao seu papel no submundo que os gregos posteriores o combinariam com o deus egípcio dos túmulos, Anúbis, formando o deus Hermanúbis⁴. Na época de Dee, a associação entre Mercúrio e a Terra/submundo teria sido clara.

Saturno é um planeta que normalmente associamos à Terra, devido à sua escuridão e movimento lento. No entanto, na época de Dee, Saturno tinha várias conotações negativas — estava associado aos mortos (Saturno é outro nome para Cronos, que carrega a foice normalmente associada à Morte), bem como a bruxas e demônios. Nos diários de Dee, as forças de Saturno relacionavam-se diretamente a espíritos infernais — especialmente aqueles que guardam tesouros enterrados. Daí a associação entre Saturno e espíritos malignos e ao fogo (do inferno) surgir naturalmente.

Vênus é considerado um planeta ígneo, de sexo e paixão. No entanto, descobrimos que Dee atribuiu a ele os poderes e espíritos do Ar. Isso faz mais sentido quando consideramos que Vênus é o planeta regente de Libra, o signo cardinal do Ar.

A lógica por trás dos planetas restantes: Júpiter (a vida de todas as coisas) e a Lua (reis da Terra) é menos óbvia. No entanto, Júpiter é considerado o planeta do crescimento, da abundância e de todas as coisas boas da vida. Ele está especialmente relacionado à abundância de colheitas e gado; portanto, não é exagero considerá-lo a fonte da vida na Terra. Por que a Lua deveria governar os reis terrestres não é imediatamente claro.

De qualquer forma, com as funções dos anjos Heptárquicos restauradas à sua devida ordem, e os rituais destinados a invocá-los descritos em detalhes, não deverá haver mais obstáculos para o estudante que deseja colocar os Mistérios Heptárquicos em prática. Desejo-lhe boa sorte em suas invocações.

Zorge,
Aaron Leitch

1Um texto da autoria de Benjamin Rowe que ainda é importante referência aos autores atuais do sistema.

2Com qualidades do elemento Terra.

3Uma versão reduzida dos diários originais, que serviriam para uso próprio de Dee com o resumo daquilo que realmente seria essencial saber. É encontrado no MS 3191.

4Hermanúbis (ou Hermanubis) é uma divindade greco-egípcia que combina os deuses grego Hermes e o egípcio Anúbis. Ele é conhecido como o condutor de almas (ou seja, um psicopompo) para o além e é representado com o corpo de um homem e a cabeça de um chacal, segurando o caduceu de Hermes.