A Origem do Ritual do Pentagrama da Golden Dawn

Por Frater Goya

Há muito tempo temos visto diversas discussões acerca da origem do Ritual do Pentagrama utilizado pela Hermetic Order of the Golden Dawn. Existem diversas discussões acerca dessa origem, mas apresentaremos aqui algumas observações plausíveis sobre este tema.


O Ritual Menor do Pentagrama foi supostamente criado por S.L. MacGregor Mathers para a Golden Dawn, elaborado a partir dos Manuscritos Cifrados da Ordem. No entanto, parece que o principal protótipo da Cruz Cabalística vem da Dogma e Ritual da Alta Magia de Eliphas Levi [traduzido por A.E. Waite na Inglaterra em 1896]:, e utilizado pela Golden Dawn:
“O sinal da cruz adotado pelos cristãos não lhes pertence exclusivamente. É também cabalístico e representa as oposições e o equilíbrio quaternário dos elementos. Vemos, pelo versículo oculto do Pater que assinalamos no nosso Dogma , que, primitivamente, havia duas maneiras de o fazer ou, ao menos, duas fórmulas bem diferentes para o caracterizar; uma reservada aos padres e iniciados; a outra oferecida aos neófitos e profanos. Assim, por exemplo, o iniciado, levando a mão à sua testa, dizia:

” A ti; depois acrescentava: pertencem ; e continuava, levando a mão ao peito: o reino ; depois, ao ombro esquerdo: a justiça ; ao ombro direito: e a misericórdia . Depois ajuntava as duas mãos, acrescentando: nos ciclos geradores . Tibi sunt Malchut et Geburah et Chesed per aeonas . Sinal da cruz absoluta e magnificamente cabalístico, que as profanações do gnosticismo fizeram a Igreja militante e oficial perder completamente. Este sinal, feito deste modo, deve preceder e terminar a conjuração dos quatro.” – LEVI, Eliphas, Dogma e Ritual da Alta Magia, pág.269, 1971, Editora Pensamento, São Paulo.


Esta conjuração dos quatro se refere às convocações Elementais de Paracelso, onde temos: No Oriente os Silfos (Ar), no Sul as Salamandras (Fogo), no Ocidente as Ondinas (Água) e no Norte os Gnomos (Terra). Durante o ritual, um pouco antes da citação acima, ainda é possível ler-se: “tendo na mão o pantáculo de Salomão e tomando, cada qual por sua vez, a espada, a baqueta e o copo, pronunciaremos nestes termos em voz alta a conjuração dos quatro.” (pág.268).
Deduzimos que o Pantáculo de Salomão é o mesmo descrito em Goetia: “Esta é a forma do Pentagrama de Salomão, a figura do qual deve ser feita em Sol ou Lua (ouro ou prata) e usado sobre o peito, com o selo do espírito a ser convocado desenhado do outro lado. Sua função é proteger o operador de todo perigo e também para comandar os espíritos”. – GOETIA, A CHAVE MENOR DO REI SALOMÃO Lemegeton, Livro I, Claviculas Salomonis Regis, Traduzido por Samuel Liddell Mathers, Editado, Anotado, Introduzido e Ampliado por Aleister Crowley, Completado, revisado e editado por um colaborador anônimo a partir da edição preparada por Iaida 6667, AShTarot Cognatus e Morbitvs Vividvs, hadnu.org.


Existem diferenças bastante óbvias, entre aquilo que o Levi apresenta e os Rituais do Pentagrama conforme dados pela Golden Dawn, pode-se deduzir uma influência do Dogma e Ritual da Alta Magia. Nos manuscritos cifrados da Golden Dawn é possível ver a caligrafia de Eliphas Levi e também as iniciais do nome em diversos locais.

Caroll Poke Runyon no seu livro de 1986, Secrets of the Golden Dawn Cypher Manuscript faz uma série de observações a respeito da influência de Eliphas Levi no material da Golden Dawn. Nos Manuscritos Cifrados já existem instruções a respeito do desenho dos Pentagramas Elementares, e existe a possibilidade de que o Ritual do Pentagrama da Golden Dawn (e as suas variações, como Rituais Menor e Maior do Pentagrama) já estivessem sendo utilizados anteriormente à existência da Ordem. Devemos lembrar aqui que a Golden Dawn começa em 1888 após a tradução dos Manuscritos Cifrados, que já circulavam na França e na Alemanha antes disso. Ou seja, é perfeitamente plausível que Levi estivesse fazendo alusão a este mesmo ritual.

Folio 22 – Manuscritos Cifrados da Golden Dawn
Folio 23 – Manuscritos Cifrados da Golden Dawn

Além dos documentos citados acima, há um trecho de uma palestra de Westcott que cita também Eliphas Levi como parte das origens da ordem, entre outros notórios membros:
Palestra Histórica de V. H. Frater Sapere Aude, Praemonstrator do Templo Isis-Urania:
“Alguns anos se passaram desde que foi decidido reviver a Ordem do G. D. no Exterior, uma Sociedade Hermética cujos membros são ensinados os princípios da Ciência Oculta e a prática da Magia de Hermes; o falecimento durante a segunda metade do século de vários eminentes adeptos e chefes da Ordem, causando um estado de dormência temporária. Proeminente entre esses adeptos estavam Eliphas Levi, o maior dos modernos magos franceses, Ragon, autor de vários livros clássicos sobre assuntos ocultos; Kenneth Mackenzie, autor da Enciclopédia Maçônica, e Frederick Hockley, famoso por sua visão de cristais e seus MSS. Esses e outros adeptos contemporâneos receberam seu conhecimento e poder de predecessores de igual e maior eminência, mas de existência ainda mais oculta…”

A Cruz Cabalística –
Aqui também temos um debate sobre a origem da Cruz Cabalística, mas no início do presente texto já demos uma possível origem baseada no livro Dogma e Ritual de Alta Magia de Levi, e aqui vamos falar um pouco mais a respeito.
Existe uma diferença entre o sinal da Cruz usado no Catolicismo: “em nome do Pai, Filho e Espírito Santo” ou na Oração Eucarística “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre, Amém” e a Cruz Cabalística que diz: “Teu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre” (traduzido diretamente do hebraico).
Mathers opta por substituir o nome Chesed por Gedulah, pois o nome alternativo desta sefira é Gedulah, e assim, na Cruz Cabalística se mantém um equilíbrio entre os pilares da severidade e da misericórdia, usando-se Geburah e Gedulah, já que ambos possuem o mesmo número de sílabas.
Sendo a Golden Dawn um pretenso movimento rosacruz, a utilização de um simbolismo cristão tal qual o Sinal da Cruz, feito pelos cristãos devotos nas mais diversas ocasiões, torna-se bastante natural e aceitável a sua adaptação para o uso neste gesto ritualístico.

Os Quatro Nomes –
Em sua introdução ao livro The Kabbalah Unveiled, Mathers discute brevemente os quatro nomes tetragramáticos:
“O nome da Divindade, que chamamos Jeová, é em hebraico um nome de quatro letras, IHVH; e a verdadeira pronúncia é conhecida por muito poucos. Eu pessoalmente, sei umas tantas pronúncias místicas de seu nome.Mas sua verdadeira pronúncia é o maior dos arcanos secretos… Portanto, quando um judeu devoto a encontra lendo a Escritura, ele não tenta pronunciá-la, mas faz uma pequena pausa, ou então a substitui pelo nome Adonai , ADNI, Senhor. O significado radical da palavra é “ser”, e é assim, como AHIH, Eheieh, um glifo de existência… [AGLA] não é, propriamente dito, uma palavra, mas é um notariqon da sentença, AThH GBVR LOVLM ADNI, Ateh Gebor Le-Olahm Adonai: “Tu és poderoso para sempre, ó Senhor!” Uma breve explicação de Agla é esta: A, o primeiro; A, o último; G, a Trindade em Unidade; L, a conclusão da grande obra… Portanto, como o Filho revela o Pai, assim também IHVH, Jeová, revela AHIH, Eheieh. – Mathers, S.L. Mathers, La Qabalah Desvelada, Editorial Humanitas, 1995, Barcelona/ES, págs. 34,40.

A Movimentação –
A movimentação do ritual se originou de uma oração judaica. No Sidur Completo, temos: “BESHEM – Em Nome do Eterno, Deus de Israel: à minha direita, (o anjo) Michael; à minha esquerda, (o anjo) Gabriel; à minha frente, (o anjo) Uriel, à minha retaguarda, (o anjo) Rafael; e sobre minha cabeça paira a Presença de Deus”. Em hebraico: בְּשֵׁם הַשֵּׁם אֱלֹהֵי יִשְׂרָאֵל, מִימִינִי מִיכָאֵל, וּמִשְּׂמֹאלִי גַּבְרִיאֵל, וּמִלְּפָנַי אוּרִיאֵל, וּמֵאֲחוֹרַי רְפָאֵל, וְעַל רֹאשִׁי וְעַל רֹאשִׁי שְׁכִינַת אֵ-ל. – Sidur Completo, com Tradução e Transliteração, Organização, realização e realização Jairo Fridlin, Ed. Sefer, São Paulo-SP, 1997.

A benção da noite, do Sidur Completo

Joshua Trachtenberg, comentando a oração acima, escreve: “Isso nada mais é do que uma versão judaica do antigo encantamento babilônico, ‘Shamash (Sol) diante de mim, atrás de mim Sin (Lua), Nergal (Marte) à minha direita, Ninib (Saturno) à minha esquerda’…” – Trachtenberg, Joshua, Jewish Magic and Superstition: A Study in Folk Religion, Global Grey, pág.177, 1939.

No Segundo Livro de Filosofia Oculta de Heinrich Cornelius Agrippa (1533), Miguel é o Arcanjo do Fogo no Oriente, Gabriel é o Arcanjo da Água no Norte, Rafael é o Arcanjo do Ar no Ocidente e Uriel é o Arcanjo da Terra no sul.

No Zohar encontramos ainda outras direções para os Arcanjos:
Nos Estandartes de Israel, temos: Gabriel (N), Miguel (L), Uriel (S), Rafael (O).
Na Pequena Assembléia, temos: Gabriel (N), Rafael (L), Miguel (S), Uriel (O).

Comparativamente, então temos para as diversas fontes:
Nos Estandartes de Israel, temos: Gabriel (N), Miguel (L), Uriel (S), Rafael (O).
No Livro II de Agrippa, temos: Gabriel (N), Miguel (L), Uriel (S), Rafael (O), concordando com Zohar, nos Estandartes de Israel.
Na Pequena Assembléia, temos: Gabriel (N), Rafael (L), Miguel (S), Uriel (O).
No Ritual menor do Pentagrama, temos: Uriel (N), Rafael (L), Miguel (S), Gariel (O).
No Sidur, temos: Gabriel (N), Uriel (L), Miguel (S), Rafel (O).

O que torna tudo mais complicado e um pouco confuso.

As posições dos arcanjos no Ritual do Pentagrama são claramente diferentes daquelas de Hirsch ou Agripa, mas seus Elementos atribuídos no ritual SÃO consistentes com a Conjuração dos Quatro de Levi. Israel Regardie, no The Golden Dawn explica:

“Esta atribuição se deriva da natureza dos diferentes ventos. Porque o vento do Leste é mais especificamente da Natureza do Ar. O vento do Sul põe em ação a natureza do Fogo. Os ventos do Oeste trazem consigo a umidade e a chuva. Os ventos do Norte são frios e secos como a Terra. O vento do Sudoeste é violento e explosivo, a mistura dos elementos contrários de Fogo e Água. Os ventos de Nordeste e Sudeste são mais harmoniosos, unindo as influências dos elementos ativos e dos dois passivos. Mas a posição natural dos elementos no Zodíaco é Fogo no Leste, Terra no Sul, Ar no Oeste e Água no Norte. Em consequência, vibram da seguinte forma: Ar entre o Oeste e o Leste. Fogo entre o Leste e o Sul. Água entre o Norte e o Oeste. Terra entre o Sul e o Norte. O Espírito também vibra entre o Alto e o Profundo.

Assim que, para invocar aos elementos é melhor olhar para a posição dos ventos, já que a Terra, sempre rodando sobre seus polos, está mais sujeita a sua influência. Mas se autotraslada-se na Visão Espiritual a sua morada, é melhor tomar a posição dos mesmos no zodíaco. O Ar e a Água tem muito em comum e, devido ao fato de um ser o contedor do outro, seus símbolos tem sido sempre transferidos de um ao outro, sendo a Águia ligada ao Ar e Aquário a Água. Assim, é melhor que sejam usadas as atribuições que se estabeleceram antes. Pela razão precedente é pelo que o signo de invocação próprio e o da banimento/exorcismo do outro coincidem no Pentagrama. Quando se opera com o pentagrama de Espírito, se deve fazer o signo de saudação do grau 5=6, para a Terra o signo de Zelator, para o Ar o de Teoricus, para a Água o de Practicus e para o fogo o de Philosophus.

As atribuições dos ângulos do Pentagrama são a chave de seu Ritual. Nele, durante as invocações ordinárias e o uso das Tábuas dos Elementos, se deve pronunciar o Nome Divino Al com o Pentagrama da Água, Elohim com o do Fogo, etc. Mas trabalha-se especificamente com as Tábuas Elementais ou Enoquianas, devem ser usados os Nomes Divinos na língua angelical que delas se deriva. Para a Terra, MOR DIAL HCTGA, etc. E para o Espírito as quatro palavras: EXARP no Leste; HCOMA no Oeste; NANTA no Norte; BITOM no Sul”. – Regardie, Israel, The Complete Golden Dawn System of Magic, Vol.IV, págs: 13-14.


É importante citar que esta é a primeira citação documental com referência ao uso da língua angelical no Ritual MAIOR do Pentagrama. As outras citações ao uso da tabela dos elementos pela Golden Dawn, são dadas no Ritual do Grau de Adeptus Minor, 5=6, o ritual de entrada da Segunda Ordem, isto é, a Rosae Rubeae et Aureae Crucis, e portanto, não era de acesso aos membros dos graus inferiores (Primeira Ordem), de 0=0 Neófito a 4=7 Philosophus. E que a Magia Enoquiana não era de uso dos membros desses graus da Primeira Ordem.

Divisão entre Primeira, Segunda e Terceira Ordens da Golden Dawn, conforme criado por Sincerus Renatus.
Emblemas Querúbicos presentes no Ritual do Grau de 5=6 da Rosae Rubeae et Aureae Crucis

No entanto, parece mais provável que a ordem dos Elementos dos Arcanjos – Ar/Leste, Fogo/Sul, Água/Oeste, Terra/Norte – siga a fórmula de F.I.A.T. “Somente no final você entregará sua seiva quando o grande Deus F.I.A.T. for entronizado no dia de Sê-Conosco”. – Crowley, Aleister, Liber A´ash vel Capricorni Pneumatici.

De acordo com Liber LVIII : “É verdade, F.I.A.T. é Flatus, Ignis, Aqua, Terra; mostrando o Criador como Tetragrammaton, a síntese dos quatro elementos; mostrando o Fiat Eterno como os poderes da Natureza equilibrados.”. Flatus significa ar, Ignis significa fogo, Aqua significa água e Terra significa terra. – Crowley, Aleister, Liber LVIII, Uma Crítica aos métodos da Cabala, Traduzido por Alan Willms em agosto de 2018, https://www.hadnu.org/publicacoes/liber-lviii-cabala/uma-critica-aos-metodos-da-cabala/

Uma vez que os fundadores da Ordem Hermética da Golden Dawn eram todos originalmente membros da Societas Rosicruciana In Anglia, é muito provável que eles simplesmente tenham tomado este arranjo do ritual Theoricus dessa Ordem:
Os quatro Anciões estão sentados no centro do Templo, atrás de seus pilares, cada um voltado para seu próprio ponto cardeal, formando assim a Cruz dos Quatro Elementos:
O Ancião da Terra, vestido com um manto preto, está voltado para o Norte.
O Ancião da Água, em um manto azul, está virado para o Oeste.
O Ancião do Ar, em um manto amarelo, está voltado para o Leste.
O Ancião do Fogo, em um manto vermelho, está voltado para o sul. Também é interessante notar que as senhas são “Fortitude” para o Ar, “Ignigene” para o Fogo, “Aquaticus” para a Água e “Terrigena” para a Terra neste ritual, onde é proclamado que estes estão especificamente associados à palavra FIAT. O ritual também afirma:
“Esta Cruz é chamada a Cruz dos Elementos; consiste em um quadrado branco central e quatro braços de igual comprimento em torno dele. Eles são coloridos de Vermelho, Azul, Amarelo e Preto, o Vermelho do Fogo está acima, o Preto da Terra está abaixo, o Azul da Água está à direita e o Amarelo do Ar está à esquerda; esta é a posição dos quatro Anciões no Templo neste Grau.”

Crowley enviou suas Notas sobre o Ritual do Pentagrama para Karl Germer em uma carta datada de 11 de dezembro de 1946. Circulada entre os membros da Loja Ágape, incluindo Jane Wolfe e Grady McMurtry. Esse documento pode ser encontrado traduzido integralmente AQUI.

Talvez nunca se chegue a uma conclusão absoluta sobre a origem do Ritual do Pentagrama utilizado pela Golden Dawn. Porém, as informações coletadas até o momento e apresentadas aqui nos permitem vislumbrar a vastidão de informações que circulavam entre os membros fundadores da Golden Dawn. A influência de Eliphas Levi, Francis Barret, Agrippa, John Dee, Tritemius, entre outros e também da literatura Cabalística e os grimórios salomônicos dentro da Golden Dawn são impressionantes, e na composição do Ritual do Pentagrama é evidente a influência direta do Zohar (lembrando-se que Mathers traduziu Knorr von Rosenroth, a Kabbala Denudata, de 1677, que é uma tradução parcial do Pardes Rimonim do Rabi Moshe Cordovero) e do Sidur, como integrantes do raciocínio para desenvolvimento desse ritual, seja diretamente por Eliphas Levi, que também cita o Zohar no Dogma e Ritual da Alta Magia, seja por Mathers, ou Westcott (que traduziu o Sefer Yetzirah) ou de outros membros fundadores da Golden Dawn.

Link permanente para este artigo: https://cih.org.br/?p=1472