Por Frater Goya
Em Breslau, em 1724, surge, sob a assinatura de “Sincerus Renatus”, um manifesto de 126 páginas, com um título um tanto obscuro:
“A verdadeira e perfeita preparação da Pedra Filosofal, segundo os ensinamentos da fraternidade da Rosa-Cruz de Ouro. Nele consta, especialmente designada, a Matéria principal (Matéria-Prima) desse segredo, bem como a técnica – do começo ao fim – das Operações da Obra”.
“Em anexo, os estatutos da fraternidade em questão, juntamente com dados precisos úteis e autênticos. No fim do livro estão relacionadas as experiências realizadas pessoalmente pelo signatário. São comunicadas por um coração caritativo para o aperfeiçoamento moral dos pobres investigadores.”
Do autor, pouco sabemos, além do fato de ele ser um pastor Luterano em Breslau, e que sua assinatura traduz seu nome: Samuel Richter.
Buscar mais sobre esta personalidade torna-se mesmo irrelevante, conforme podemos perceber pelo prefácio:
“A fim de agir lealmente para com o leitor benevolente, declaramos-lhe que este livro não representa nossa obra pessoal, mas a do nosso Mestre na Arte Real, o qual não posso citar, e que nos confiou o resultado de seus trabalhos”.
No final, insiste: “Ainda não é chegado o tempo de revelar a Grande Obra. No momento nós nos limitaremos a experimentar, deixando a glória dos resultados obtidos ao Senhor que vive e reina eternamente…”
Como qualquer documento alquímico, é enigmático, sendo mesmo imcompreensível para aqueles que não possuem as chaves, passadas somente de boca a ouvido, transmitida pelo Mestre a seus discípulos.
Mas o processo alquímico a que se refere nosso Sincerus Renatus, não é a transmutação dos metais vis em ouro ou prata, mas sim, a transmutação do do homem inferior (chumbo), em seu aspecto mais elevado ou superior. De ser material, em ser espiritual, transformando-se no Ouro Macrocósmico. Esta é a quintaessência dos ensinamentos rosacruzes.
Os estatutos da tal fraternidade de rosacruzes são explícitos. Possuem 52 Artigos, dos quais citaremos aqui apenas o essencial.
1) O total dos membros da fraternidade poderá ser de sessenta e três.
2) Cada um deles viverá de acordo com sua religião, sem que os outros irmãos lhe exijam satisfações.
3) O Imperator (Grão-Mestre) é eleito por toda a vida e por unanimidade.
5) Dois ou três irmãos não podem proceder a uma iniciação sem a aprovação do Imperator.
6) Cada discípulo obedecerá àquele que o iniciou usque ad mortem (regra obidiens usque ad mortem = obediência até a morte).
7) Os irmãos não devem comer em conjunto, exceto aos domingos.
10) O aprendizado é de dois anos, durante os quais o postulante é instruído progressivamente.
11) Quando dois irmãos se encontram, o primeiro cumprimenta o outro com estas palavras: “Ave, Frater!”. O outro responde: “Rosae et Aurae”. O primeiro torna a dizer: “Crucis”. E, em seguida, ambos falam juntos:”Benedictus Dominus, Deus noster, qui dedit nobis signum”. E então fazem o sinal de reconhecimento*.
12) Quando um irmão recebe o grau de magister, ele se compromete ante Deus a não usá-lo em benefício próprio, nem para sublevar um Estado, ou para servir a um tirano.
13) Quando os irmãos desejam conversar entre si sobre os nossos mistérios, deverão escolher um local fechado e secreto.
17) Os irmãos não devem casar-se.
23) É proibido revelar qualquer manipulação, congelação ou divisão da Matéria-Prima.
24) Se um irmão deseja dar-se a conhecer numa cidade, para ela deverá dirigir-se no dia da Páscoa ao nascer do sol, para perto da porta oriental que fica no campo… Caso se encontre com outro irmão, deverá saudá-lo conforme o cerimonial (cf. art.11)
25) A cada dez anos o Imperator mudará seu estado civil profano, seu local de residência e seu nomen mysticum: tudo sob o maior segredo.
26) (e continuação) – Cada irmão adotará um nomen mysticum. Não deverá permanecer mais de dez anos fora da sua pátria. Que ele se proteja dos fanáticos, e desconfie dos monges.
33) Que os irmãos se reúnam por ocasião da Páscoa em uma de nossas casas.
34) Quando os irmãos viajam, não devem ocupar-se com mulheres, mas sim entreterem-se com um ou dois amigos, não iniciados.
35) Quando um irmão deixa uma cidade, não deverá contar para onde vai; terá que vender aquilo que não pode levar, e dará ordens ao seu vizinho para distribuir o lucro aos pobres, caso não tenha regressado ao fim de seis semanas.
42) Ao se desejar escolher um sucessor, este deverá ter o menor número possível de amigos; jurará não comunicar-lhes o mínimo segredo.
44) Se, por acidente ou por imprudência, um irmão é descoberto por um tirano, deve preferir morrer a trair nossos segredos.
45) A iniciação tem lugar ante 6 irmãos, após o neófito ter sido suficientemente instruído. Eis a fórmula do juramento que ele deve pronunciar:
“Eu, N…N…, prometo ao Deus eterno e vivo não revelar a nenhum ser humano os segredos da Rosa-Cruz de Ouro, passar minha vida ocultando o sinal de reconhecimento, jamais revelar a mínima coisa sobre os resultados desse segredo, conhecidos, lidos ou aprendidos por mim; nada dizer a respeito do local de nossa fraternidade, do nome do Imperator, não mostrar a quem quer que seja a Matéria-Prima ou a Pedra dos Sábios. Juro sobre tudo isso um silêncio eterno, com o risco de minha própria vida. E para provar, que Deus e Seu Verbo me protejam…”
Em seguida, cortam-se sete mechas de cabelo do candidato, depositando-as num saquinho selado com seu nome.
No dia seguinte servem em silêncio uma refeição em comum. Ao se despedir, os irmãos se cumprimentam assim: “Frater Rosae et Aurae crucis, Deus sit tecum perpetuo silentio Deo promissio, et nostrae sanctae congregationi”. Essa cerimônia se repete durante três dias. Depois, então, cada um oferece uma esmola aos pobres.
50) Os irmãos deverão chamar-se pelo nomen mysticum que lhes foi atribuído, mas ante os estranhos se designam pelo estado civil profano.
52) Ao novo irmão deve ser conferido o nomen do último morto da fraternidade.
Em sua obra “História e Doutrina dos Rosa-Cruzes”, Sédir escreve: “Eles (os rosacruzes de ouro) possuem sinais de reconhecimento, que costumam trocar a cada ano; usam uma jóia feita com uma cruz e uma rosa por baixo do casaco e do lado esquerdo, pendurada numa fita de seda azul; conservam uma carta selada de seu Imperator, e, ao se encontrarem, enunciam uma senha.
Pierre Montloin e Jean-Pierre Bayard descrevem a jóia da Ordem: “uma cruz de Sto. André, timbrada em cada ângulo com a letra C, no centro uma rosa com cinco pétalas e depois doze pétalas concêntricas. Os quatro C significando – Crux Christi Corona Christianorum.
A fraternidade era composta de duas ordens: a Ordem da Rosa-Vermelha – probatória – e a Ordem da Rosacruz de Ouro. Esta última admitia nove títulos ou graus:
– Junior;
– Theoricus;
– Practicus;
– Philosophus Minor;
– Philosophus Major;
– Adeptus;
– Magister;
– Magus;
– Magus Magorum;
E provavelmente, completados por:
– Vicarius Salomoni;
– Rex Salomonus.
A pirâmide era completada por um único personagem, misterioso ou mítico, do qual o Imperator era o legado: Ellie Artiste (Elias Artista), àquele anunciado no Evangelho de João: “O pai vos enviará um Consolador (ou defensor), a fim de que esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; vós o conheceis… (XIV, 17 e 26).
O mesmo personagem é citado também por Paracelso**: “Elias Artista! Gênio e reitor da Rosacruz. Paracelso prediz tua vinda, espírito de liberdade, de ciência e de amor que reinará sobre o mundo!… Ele, o espírito radioso da Rosa e da Cruz.”
Tais regras difundidas por Sincerus Renatus foram mais tarde incorporadas à Hermetic Order of the Golden Dawn, assim como a estrutura de Graus atribuída aos Rosacruzes de Ouro.
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NOTAS:
* Que consiste em cruzar os braços sobre o peito, defrontando-se e inclinando-se.
** Paracelso morreu em 1540. Talvez tivesse o dom da profecia, ou o texto seria um apócrifo, ou talvez inspirou o movimento dos Rosacruzes de Ouro, e ainda talvez, a irmandade seja anterior ao que se conhece documentalmente.