Por Frater Goya (Anderson Rosa)
Vivemos numa época de conceitos “politicamente corretos”. Muito se fala sobre preconceito e discriminação das mais diversas formas: de raça, religioso, gênero, orientação sexual, nacionalidade, cultural, etc.
A discriminação, enquanto efeito sociológico, se caracteriza pela atitude diversa diante de uma característica específica (raça, credo, gênero, etc.) e diferente. A discriminação e o preconceito comprometem ou destroem os compromissos sociais e os direitos fundamentais do ser humano. E pode prejudicar a pessoa em seu contexto social, profissional, cultural, político ou econômico entre outros.
Toda discriminação (ação) nasce de um preconceito (ideia). Ou seja: a discriminação é a quando uma ideia é levada à ação.
Um preconceito é um juízo preconcebido, que normalmente manifesta-se em uma atitude discriminatória. É uma ideia formada antecipadamente e cujos motivos são, num contexto geral, banais e sem fundamento.
O preconceito pode aparecer de forma banal, até na expressão de um pensamento, por exemplo: “como fulano ficou feio”, “ela tem um rosto lindo, mas gorda desse jeito, que pena”, “olha lá que fracote”, “tinha que fazer errado, olha a cor dele”, “Nossa, Beltrano é tão bacana, pena que é veado. Pensa no desgosto dos pais dele”. E ainda, há aqueles que tentam disfarçar o preconceito, piorando ainda mais a situação com expressões carregadas do mesmo, tais como: “Eu não sou racista, inclusive, tenho um amigo negro”; “Fulano é preto de alma branca”; ou ainda “Eu?! Homofóbica?! Meu melhor amigo é veado e convivemos muito bem”; “Sinto cheiro de Veado de longe, e Sicrano com certeza é”; “Olhe aquelas tatuagens. Parece um estivador ou presidiário, que coisa mais horrível!”. Há um sentimento de impotência quando se pretende mudar uma pessoa ou grupo de pessoas que tenham o preconceito muito arraigado.
De acordo com o artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.” Ao longo dos anos, a Organização das Nações Unidas tem feito vários esforços para erradicar a discriminação nas sociedades das nações integrantes.
O preconceito pode vir de uma personalidade intolerante, criação (educação familiar), ou por medo do diferente, entre outras coisas.
Você é preconceituoso(a)? Responda sinceramente, sem reserva mental as questões abaixo:
- Você concorda com a expressão “cara de bandido”?
- Em uma sala de aula, há um branco, um japonês, um negro e um pardo. Quem é o mais inteligente?
- Você conta piada de português, loira, negro e judeu, etc.?
- Você acredita que somente Deus tem o poder de julga-lo(a)?
- Você acredita que todas as raças têm o mesmo acesso à educação no Brasil?
- Sua roda de amigos próximos é constituída por pessoas de outras raças, religiões (inclusive não-judaico-cristãs), gênero e orientação sexual?
- Você usa a expressão: “Não sou tuas negas”?
- Mulher branca sabe sambar?
- O que você achou do filme “O Segredo de Brokeback Mountain”?
- Você se casaria com um cadeirante ou um amputado?
- Você já tirou sarro de alguém por ser inteligente, ou por ser ignorante?
- Para você, ser inteligente é ser arrogante?
- Você sente “pena” de pessoas mais ignorantes que você?
- Se há um mendigo na rua logo à sua frente, você atravessa para o outro lado?
Se você respondeu alguma dessas perguntas com sim (mesmo que repensando tenha mudado de opinião) você é uma pessoa preconceituosa. Com o tempo e a observação poderá ser uma pessoa melhor, mas, ainda assim, no momento, você tem preconceitos.
Sugerimos que para tirar a dúvida, tente fazer o Teste da Universidade de Harvard (disponível em várias línguas) para avaliação de preconceitos. Siga o link: https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/selectatest.jsp
Todos podemos mudar. Nossa vida é feita de escolhas, e o caminho que tomamos definirá quem seremos no futuro. Podemos vir de uma cidade preconceituosa, ou uma família preconceituosa por exemplo, mas sempre podemos mudar, principalmente se estivermos vinculados a padrões éticos e de respeito ao próximo. Devemos sempre nos lembrar que seremos vistos e compreendidos pelos outros na mesma medida em que nos damos a conhecer.
Hoje em dia há um péssimo entendimento do que é ser humilde e do que é vaidade. Muitas pessoas acreditam que ser humilde é baixar a cabeça para todas as situações, ou “humilde é aquele que sabe o seu lugar”. No entanto, historicamente, colocar alguém no “devido lugar” sempre foi uma forma de uma classe dominante submeter ou controlar outra. Ser humilde, por definição, é estar consciente de si mesmo já justa medida, saber tanto de suas potencialidades, como de suas limitações e buscar melhorar isso.
Outros, já acreditam que vaidade, prepotência, arrogância são sinônimos, e normalmente, usam algum desses termos para definir alguém que na sua visão pessoal não poderia ser “tudo aquilo”.
Por exemplo: conheço pessoas que economizam durante o ano todo, sem sair para um restaurante, ou cinema, ou bar com os amigos, e nas férias vai para a Europa. Quando essa pessoa retorna, já surge alguém que torce o nariz e diz entre dentes: “Lá vai a metida esnobe. Fico pensando de onde tira tanto dinheiro para ir pra Europa”…
Ou ainda pessoas que criticam quando você comenta que sabe falar uma língua: “Uhm, você tem facilidade para línguas!”, como se fosse fruto da bondade divina e não do esforço.
Ou quando você leu livros clássicos de literatura: “Com certeza você era o nerd da sala”.
Ou quando você publica um livro, ou um disco, uma peça de artesanato, ou algo de sua autoria,: “Será que alguém compra? No mínimo, deve ser ridículo. Esse não se enxerga”.
Ou mesmo quando você recebe depois de muito tempo, um sapato que você arrematou no Ebay com muito custo: “Nossa, só pra se aparecer com um sapato desses. Deve ter gasto 3 meses de salário”.
No geral, as pessoas esquecem que para viajar, houve muita economia. Que para aprender uma língua só se aprende por estudo e prática, e que mesmo o sapato do Ebay demonstram que as pessoas que realizaram isso tiveram no mínimo determinação e esforço nessa direção. Se você sabe uma língua, fez uma viagem, possui roupas de qualidade, tudo isso envolve mais disciplina do que simplesmente chegar em casa e sentar na frente da televisão. As pessoas que conseguiram os exemplos citados acima, optaram por não ir ao bar, não sair com amigos, não ficar sentado na frente da televisão ou do Facebook criticando os demais. São pessoas que ao contrário, optaram por fazer algo mais na vida do que isso. Ler um clássico ou ler um romance água com açúcar é uma opção. Ambos estão disponíveis na Internet e nas livrarias. Aprender uma língua exige estudo e prática, pois não se aprende uma língua em um dia. Tocar um instrumento, exige muito treino e estudo. Aprender uma Arte Marcial (como Kung Fu, Aikidô, Tai Chi Chuan, Karatê, etc.), envolve muita disciplina, investimento em cursos de formação e treinos diários, numa rotina altamente exigente. Escrever um livro pode levar meses e até anos de ideias sobre o papel. Tudo isso representa o esforço por uma opção tomada previamente. Essas pessoas optaram por sair do marasmo, e muitas vezes a um custo bastante alto, às vezes trabalhando mais do que deviam para poder realizar os sonhos que planejaram. Pode parecer pouco, mas essas atitudes dizem muito, tanto de um lado, como de outro. Se observarmos com calma, e principalmente, observarmos sem reservas, veremos que as críticas, muitas vezes infundadas, possuem muito mais de preconceito e discriminação, do que de humildade.
Esses exemplos ainda se encaixam no que dissemos acima sobre optar: não há nenhum problema em chegar em casa e afundar no sofá. Ou em sair com amigos, ou outras opções. Mas na realidade, também não há nada errado em ficar dias, meses e anos estudando uma língua, ou um instrumento musical, ou economizar até o último centavo para aquela viagem do fim de ano. O erro consiste em acreditar que sua opção é a correta, e isso se torna mais grave quando você usa a sua experiência para menosprezar ou diminuir o outro.
Quando tiramos sarro de alguém, nos colocamos num patamar acima do outro. Mesmo aqueles que acreditando-se justos dizem: “eu simplesmente ignoro”, na verdade, estão estabelecendo uma distinção entre ele e o outro, pois o sentido real é: “sou importante demais para perder tempo com isso”. Ou ainda, há aqueles que dizem: “Só Deus pode me julgar”. Da mesma forma que o anterior, essa pessoa dessa frase se coloca acima de toda a humanidade, deixando espaço única e exclusivamente acima dela para Deus. No entanto, se esquece que leis, sua chefia (caso haja alguma), seus colegas, parentes e amigos, também fazem algum sentido de juízo. E que portanto, ela é como todos, apenas mais uma pessoa que estabelece padrões e conceitos para os outros que não se aplicam a ela mesma. Há maldade e crueldade embutidas no “sarrinho”.
Criticar é fácil, é simples. Pois jogo toda a responsabilidade no outro: “Ele deveria…”; “O erro é somente dele…”, “Se tivesse feito assim, seria diferente…”. Pessoas que criticam jamais enxergam a si mesmos, pois sempre é do outro a responsabilidade da falha e do erro. Quando empurro para o outro, e me excluo da cena, faço a atitude simples do desrespeito e assim, aquilo que critiquei no outro (como por exemplo a arrogância), me torno ainda mais arrogante que aquele que foi criticado, pois disse entrelinhas que estava em posição de apontar a falha do outro.
Na realidade, todas as pessoas e todas as situações são importantes. Estar com o outro, ouvir o outro, importar-se verdadeiramente com o outro, é o exercício da compaixão, ou “colocar-se no lugar do outro”. Essa é uma das principais virtudes na maioria das religiões do mundo, e principalmente nas judaico-cristãs, que predominam nos países da América Latina, estando entre as principais religiões do mundo. Só não são as maiores, pois a China com mais de 2 bilhões de habitantes é uma mistura de budismo, Confucionismo, Taoismo e crenças populares e a Índia com outro bilhão também é um caldeirão de religiões na sua maioria politeísta. E nessas, a compaixão também possui um papel essencial.
Compaixão e Respeito são os principais remédios contra a Discriminação e o Preconceito. E ambos são de graça. Basta optar por qual caminho você pretende trilhar. Querer um mundo melhor é algo simples. Mas fazer um mundo melhor exige compromisso, e principalmente, compromisso consigo mesmo, e não com o outro. Este é um exercício que todos deveríamos fazer diariamente.
Em L.L.L.L.,
Frater Goya
Ank Usa Semb