O LIVRO DOS CINCO ANÉIS E A MAGIA

Uma breve análise do estilo de Musashi em paralelo com o Xintoísmo, a Qabalah e a magia em geral

por: Frater Kurush (C.F.L.)

Miyamoto Musashi foi um dos maiores samurais da história, conhecido entre os japoneses como Kensei, o santo da espada; além de ter sido um estimado pintor e escritor e dominar muito bem a arte da caligrafia. Em sua obra, o “Go Rin No Sho” (Livro dos 5 Anéis), faz-se menção à palavra NITEN (ni= dois; ten= céus), porque algumas das suas escolas ficaram conhecidas como “Niten Ryu”(ryu = estilo, escola) Ao mesmo tempo, quando o autor relata ter escalado a montanha Iwwato de Higo, em homenagem ao Céu, foi esclarecido que o termo ‘ten’ é usado para se referir à religião xintoísta, religião nativa do Japão.

Uma breve análise do estilo de Musashi em paralelo com o Xintoísmo, a Qabalah e a magia em geral

por: Frater Kurush (Cyro Filka Lopes)

Miyamoto Musashi foi um dos maiores samurais da história, conhecido entre os japoneses como Kensei, o santo da espada; além de ter sido um estimado pintor e escritor e dominar muito bem a arte da caligrafia. Em sua obra, o “Go Rin No Sho” (Livro dos 5 Anéis), faz-se menção à palavra NITEN (ni= dois; ten= céus), porque algumas das suas escolas ficaram conhecidas como “Niten Ryu”(ryu = estilo, escola) Ao mesmo tempo, quando o autor relata ter escalado a montanha Iwwato de Higo, em homenagem ao Céu, foi esclarecido que o termo ‘ten’ é usado para se referir à religião xintoísta, religião nativa do Japão.

Algumas religiões como o xintoísmo, budismo e confucionismo, constituem-se na base filosófica do Bushido (Bushi = guerreiro, Do = Caminho), que era um rígido código de honra dos antigos guerreiros do Japão. As sete virtudes do Bushido são: Justiça, Coragem, Benevolência, Educação, Sinceridade, Honra e Lealdade. Do Budismo, o Bushido herdou a coragem para encarar e não temer a morte. A relação com a sociedade e a importância do nome da família vem do Confucionismo. Do Xintoísmo, o Bushido pegou a lealdade, tão importante para o samurai.

Na entrada dos templos xintoístas, podemos encontrar o Torii., uma espécie de portal, formado por duas colunas, que representam os Céus, e duas vigas, referindo-se a Terra. Essa estrutura delimita o espaço do templo, o sagrado do profano. Abstraindo-se, demonstra que os Céus (colunas) alicerçam a Terra (vigas), e adentrando-se ao local, encontra-se o templo Xinto (“caminho das divindades”) e o contato com a essência das deidades, que, segundo o Xintoísmo, estão contidas em todas as coisas (montanhas, rios, seres vivos, etc).

Ainda podemos perceber a grande relação do Torii com os pilares dos Templos da Maçonaria e outras Ordens esotéricas. No Templo, podemos encontrar dois pilares, um negro escrito em branco e outro branco escrito em negro, duas forças opostas, duas cores opostas, formando um equilíbrio entre elas. Nos recordando assim, dos Pilares da Árvore da Vida: O Pilar da Misericórdia e o Pilar da Severidade.

Sendo assim, fica possível traçar uma ligação entre o Torii, os Pilares do Templo, a Qabalah e o estilo de Musashi. O estilo Niten Ichi Ryu significa ‘dois céus em uma escola’e remete-se à coordenação no manejo das duas espadas (Céus, Pilares) e das duas energias provenientes de cada lado do corpo do guerreiro: A energia espiritual (Ki) e a técnica, a energia física em si (Ken e Tai). Essa integração harmônica das energias – sinergia – são duas forças complementares, que não se somam, mas potencializam seus efeitos de tal forma que superam os efeitos de apenas uma espada ou apenas uma energia, até porque essas energias, assim como os Céus e os Pilares, mesmo tendo sua própria força, não são independentes, mas sim dois lados de uma mesma moeda, e assim Musashi descreve a técnica com a espada, tornando assim não só uma técnica versátil contra todos os tipos de armas e contra diversos oponentes simultaneamente, mas havia uma extrema vantagem pois enquanto os oponentes atacavam com apenas uma espada, e portanto, ficavam vulneráveis durante o ataque, com o estilo Niten Ichi, era possível atacar e defender ao mesmo tempo, usando assim, uma espada para cada função. Portanto, como foi dito, não há uma independência entre elas, mas a defesa de uma possibilita o ataque com a outra, assim, como na Árvore da Vida, não existe Severidade sem Misericórdia, e nem o oposto seria possível. Este equilíbrio equipara-se também à manifestação do Yin e Yang – onde o branco está contido no preto e o preto está contido no branco, onde o olhar não se limita ao ver, mas à compreensão do sentido de todas as coisas.

Considerando o que foi dito, pode-se visualizar essa concepção no Torii. Os Pilares (Céus) não são meros alicerces das vigas (Terra), a energia se propaga por toda a extensão da arcada, forças resultantes que surgem em cada ponto, não sendo limitado aos extremos. Portanto, a distância entre as colunas é superada, pois a  energia multiplica-se e repercute no Todo, como se fosse uma só espada, uma só energia, um só Pilar, ou seja, o Pilar do Meio.

 Logo, como ressaltou Musashi, acostumando-se com o manejo das duas espadas, entendendo e fazendo uso das duas energias, adquirimos a força do Caminho. É a consciência de que todos os caminhos estão interligados (assim como os caminhos da Árvore da Vida) e sendo assim, não somos seres únicos e isolados, tendo em si, em menor quantidade, o mesmo conteúdo e essência do Todo.

Podemos ainda analisar o princípio do Bunbu-ryodo, a Pena e a Espada em um só Caminho; que foi um princípio muito citado pelo Musashi em sua vida e obras, onde se dizia que o guerreiro, para viver plenamente, deveria dominar a Pena e a Espada; sendo a Pena, as artes (pintura, escultura, caligrafia, música, poesia e etc), e a Espada, as técnicas com a mesma. Podemos já traçar um paralelo com os Pilares, já que a espada tirava vidas, e os samurais estavam bem longe de terem alguma Misericórdia durante uma luta.

Então, segundo Musashi, a Severidade seria equilibrada com a Pena, com o Amor pela arte. Além disso, o Bunbu-ryodo se referia ao estudo teórico e prático como uma via de mão única. A prática sozinha não era considerada válida assim como a teoria sozinha também não. Mesmo sendo únicas, uma é base pra outra, dando na mesma resultante, que segundo os samurais, era a eterna busca pela perfeição, o que pra eles era eterno, já que consideravam a perfeição uma qualidade divina, e sendo assim, estavam constantemente se aprimorando, já que buscavam o inalcançável. E assim deve ser também para o estudante de Magia, vivendo intensamente, buscando sempre a perfeição tanto na prática como na teoria, não se deixando abalar com tempo ruim, com as constantes dificuldades ou derrotas durante o processo, se aprimorando como os samurais, deixando a Vontade cada vez mais forte, e fortalecendo assim o próprio ser, estando sempre preparado para enfrentar as Ordálias no processo, analisando cada detalhe e amando cada momento como um eterno aprendizado; ou, nas palavras de Miyamoto Musashi: “Hoje é a vitória sobre o você de ontem; amanhã será a sua vitória sobre homens inferiores”.

Como dito acima, Go Rin No Sho significa o Livro dos Cinco Anéis. Os “Go Rin” (Cinco Anéis) do Budismo representam as cinco partes do corpo humano: cabeça, cotovelos esquerdo e direito e joelhos esquerdo e direito. Os “Go Dai” (Cinco Grandes) do Budismo são os cinco elementos que compõem o cosmo: terra, água, fogo, vento e vazio.Sendo o Vazio, ou ‘o Nada’ um termo Budista para designar a natureza ilusória das coisas terrenas, o que de imediato lembra o conceito do Hinduísmo chamado Maya, onde o Universo é tido como uma mera ilusão.

O Livro é dividido em cinco capítulos, cada qual com seu respectivo elemento. No primeiro capítulo, chamado Terra, trata sobre o Caminho da Estratégia pelo ponto de vista do estilo Niten Ichi Ryu. Neste capítulo, Musashi diz que considerava difícil enxergar o Verdadeiro Caminho através apenas do treino com a espada, advertindo que devemos observar e conhecer as menores e as maiores coisas; as mais superficiais e as mais sutis e profundas. Este conceito, aplicado ao estudo da magia, pode ser interpretado de uma forma interessante. Se observarmos bem, podemos ver que Musashi não cita neste capítulo sobre o Caminho, mas sim o Verdadeiro Caminho, assim como em Thelema, onde se busca a Verdadeira Vontade. Ainda no primeiro capítulo, o autor nos adverte que, para conhecermos o Verdadeiro Caminho, devemos observar e conhecer tanto as coisas mais superficiais quanto as mais sutis, ou seja, conhecer o Microcosmo e o Macrocosmo, sendo o primeiro importante para o conhecimento do segundo, e vice-versa, já que, como nos ensina o princípio Hermético da correspondência: “O que está em cima é como o que está abaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”.   

 No segundo capítulo, o livro da Água, o autor nos diz que jamais entenderemos os princípios descritos lendo, memorizando ou imitando. A interpretação leviana nos desvia do caminho, portanto, se ao invés disso pudermos realmente sentir, deixar que tomem conta de nosso corpo, estaremos longe de erros que podem nos deixar confuso e nos afastar da nossa Verdadeira Vontade, nos desviar de nosso curso, o que é causa de angústia e sofrimento.

O terceiro capítulo é o do Fogo o assunto é a luta, a estratégia em si, e fica bem claro que o estilo Niten Ichi era baseado na eterna prática e disputa, onde ele nos alerta que muitos usando apenas espadas de bambu, treinavam questões insignificantes da destreza; assim como na Magia, muitas vezes a atenção é desviada por teorias e práticas sem fundamento, quando a verdadeira Magia se faz na prática, no cotidiano, em todas as áreas de nossas vidas. Não devemos treinar como se luta, mas sim ousar em encarar a luta de frente, nunca tentando nos beneficiar de técnicas pequenas se o objetivo é grandioso.

O quarto livro fica para o elemento Ar e é chamado de livro do Vento, onde fica claro que, quando se diz que devemos estudar os outros, há um forte significado em relação ao estudo do que há em nossa volta, da percepção do Todo, porque seguindo apenas um lado, podemos achar que estamos seguindo corretamente, e caso não estivermos, quanto mais tempo demorarmos a nos tomar conta da divergência, ela já poderá ter tomado grandes proporções e será mais difícil encontrarmos o Verdadeiro Caminho se nos afastarmos dele, pra isso, devemos conhecer todos os Caminhos, os Caminhos de todas as artes e eliminarmos brevemente aquilo que está longe de ser o Verdadeiro, e segundo Crowley, “Um homem cuja vontade consciente esteja em choque com a Verdadeira (Vontade) está desperdiçando sua força”.

Por último, há o livro do Vazio, que segundo o autor é um termo que ele usa para designar aquilo que não tem começo nem fim. Ao entender esse princípio, significa que não estamos atendendo o princípio, e assim como foi dito no capítulo do Fogo, os princípios devem ser entendidos internamente, com o coração, e não seguidos à risca, sendo assim, a partir do momento que não entendermos o princípio, mas sim sentirmos e vivenciarmos, percebendo que todas as coisas estão interligadas e que o Caminho é um só, lá estará o Vazio, “quando a atitude se tornar não-atitude e a espada se tornar não-espada”, como encontramos no livro da Água, ou seja, quando agirmos livre de ânsia de resultado e com propósito desembaraçado. (“Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, livre de ânsia de resultado, é toda via perfeita”).

 

Frater Kurush  (Cyro Filka Lopes)

Em L.L.L.L.

Ankh – Usa – Semb

Link permanente para este artigo: https://cih.org.br/?p=316