O Tarot como caminho iniciático

Por Frater Goya (Anderson Rosa)

Na magia tradicional, temos como armas mágicas: o bastão, o pantáculo, o cálice ou copa e a espada, como armas elementares.Cada qual representa um elemento (Fogo, Ar, Terra e Água) e o domínio desse elemento específico. O Tarot é a quinta arma mágica (atribuindo-o ao Espírito). Se com o Tarot você consegue recuperar informações e a partir delas compor qualquer tipo de ritual, o Tarot acaba sendo o seu grimório definitivo.
O Tarot possui uma visão estruturada do universo, e reproduz através do seu manuseio por embaralhamento – o estudo do momento por aleatoriedade – como ele funciona, e logo, mexendo com o Tarot, você, com o passar do tempo, terá também uma mente estruturada, de tanto pensar por influência do Tarot.
E depois que isso acontecer, que sua mente esteja organizada, você não precisa mais dele. Você vira o Tarot. Por isso chamei o meu livro de Templo Vivente. Em termos de aprendizado, a retenção por imagens é quase 3 vezes maior que por palavras segundo apontam diversos estudos voltados à educação. Existe um método, chamado flor de ameixeira para o I Ching, que se baseia na contemplação do ambiente ao redor para deduzir o hexagrama daquele momento sem moedas ou varetas. E esse conceito é como se o uso da ferramenta fosse algo como usar rodinhas na bicicleta. Depois que aprendeu, não precisa-se mais de rodinhas. Mas existem pessoas que eternamente precisarão de rodinhas.

Do ponto de vista de aprendizado, temos a seguinte distribuição:
1) Textos como apoio teórico;
2) Imagens como retenção do Saber; (veja que depois de milênios usando apenas texto como retenção de um conhecimento oficial, hoje no windows voltamos ao ÍCONE); e essas imagens são a ponte entre o logos (o verbo) e a praxis (prática);
3) Prática: que tem como função fixar um conhecimento

Veja que no tempo todo da sua vida escolar e acadêmica (com exceção talvez dos cursos ligados à arte ou publicidade), o seu saber é medido pelo que você escreve e não pelo que você desenha. Inclusive isso é motivo de extenso debate na área da educação, pois é público e notório que o atual método favorece apenas uma parcela das pessoas e é dominante.

No entanto, para que possamos VER como o pictórico é fundamental na mente humana, a escrita vem de onde? Das pinturas rupestres, quando os sinais gráficos que mostravam coisas, deram lugar a letras que permitiam criar coisas novas e expressar o inexprimível, que é o pensamento, ou seja, o verbo foi criado para expressar uma ideia complexa. Mas a gravura vem antes da palavra.
Voltando ao tema original, o Tarot pode ajudar a manter uma unidade (estrutura) que deve ser passada ao estudante. Essa estrutura, pode ajudar a compor uma ética, um reto caminhar, a impecabilidade.
E por outro lado, evitar que a coisa fique rígida excessivamente, uma vez que o Tarot é randômico, quando você joga ele, perde-se toda a ordem, ou ela fica atrás de um processo aleatório, o que dá liberdade suficiente para o estudante se mover entre as cartas, sem ficar engessado.

O Tarot possui uma estrutura. Qual é ela?
21 arcanos maiores + 1 sem número; 40 menores, 16 cartas de figura ou realeza.

O arcano do Louco tradicionalmente não possui numeração

A Árvore das Vidas (Etz Chaim) é o suporte pelo qual o Tarot se apoia. Aqui estamos falando dos Tarots derivados da escola de Eliphas Levi (Ex.: Tarot dos Boêmios ou Oswald Wirth, entre outros) ou da Golden Dawn (Golden Dawn Tarot, Smith-Waite, Crowley, Haindl, entre outros), que embora com enfoques diferentes em relação ao tema da Qabalah, ambos a utilizam. Aqui estamos nos remetendo ao contexto do pensamento da Qabalah Hermética, e que existem diversos modelos de Árvore das Vidas (Etz Chaim) e que necessariamente os arranjos Levi/GD não atendem à todas as versões disponíveis da Árvore. Ou seja, para cada descrição da Árvore, o Tarot precisaria ser re-arranjado. Isso ilustra como o Tarot é dinâmico, não se cristalizando num único molde.

No pensamento cabalístico, o alfabeto hebraico tem uma característica peculiar, pois cada letra é um som, uma coisa, um número. Dessa forma, quando um cabalista vê uma letra hebraica ou um nome, ou uma palavra em hebraico, ele “visualiza” a coisa em si, o que não ocorre em nosso alfabeto arábico ocidental. Para o pensamento das pessoas comuns, uma letra é uma letra. Já em hebraico, as coisas são formadas pelas letras que as compõe. Então na magia ocidental, o Tarot tenta suprir essa deficiência, ao apresentar imagens pré-definidas que trabalham em um esquema simbólico, e que além da letra, sugerem/suscitam uma interpretação ou leitura. Dessa forma, quando um magista olha para uma carta de Tarot, se ele estiver de posse da chave daqueles símbolos – que numa ordem iniciática são passadas através da iniciação – este praticante conseguirá decodificar a mensagem oculta nas imagens propostas. E ao embaralhar as cartas, ele simula a realidade em ação, onde as coisas ocorrem muitas vezes de forma caótica ou indeterminada, simulando um código randômico aplicado no universo ao invés de ser uma simulação de computador, ou cálculo mental.


Dentro dos maiores, você tem uma estrutura e uma sequência: Louco, Mago, Sacerdotisa, etc. Essas imagens representam personagens de nossa convivência e personagens arquetípicos. Logo, os maiores representam nossos processos mentais. Dentro dos menores, no mundo prático, estruturado, decimal (pensamos em 10 partes, o computador em base 2/binária), a escala de 1 a 10 (decimal) diz como o mundo prático funciona. Logo, são as coisas do dia-a-dia. E a realeza (ou corte), representa a multiplicidade de seres que caminham ao nosso lado, as pessoas que encontramos e nós mesmos. Também podemos interpretar a Corte como as hierarquias, figuras de poder ou ainda comportamentos repetitivos.
Isso é uma estrutura ordenada e compreensível.
Talvez algumas pessoas tenham dificuldade em compreender por que os números de um a dez são tão especiais ao ser humano e ainda porque alguns são mais especiais que outros. Então vale uma pequena citação que pode ajudar a ilustrar isso:


“Claro que sim. E agora passemos aos números mágicos que tanto atraem os seus autores. Você sabe que um não é dois, um é o seu trabalhinho ali, uma é a minha tarefazinha lá e um são o nariz e o coração e logo está vendo quanta coisa importante é um. E dois são os olhos, as orelhas, as narinas, meus seios, seus bagos, as pernas, os braços e as nádegas. Três é o mais mágico de todos porque o nosso corpo não o conhece, não temos nada que seja em três, e devia ser um número misteriosíssimo que atribuíamos a Deus, onde quer que vivêssemos. Mas pensando bem, eu tenho só uma coisinha e você tem só um coisinho — fica quieto e nada de piadas — e se pusermos essas duas coisinhas juntas acaba dando uma nova coisinha e acabamos em três. Precisamos então de um professor universitário para descobrir que todos os povos têm estruturas ternárias, trinitárias ou coisas do gênero? Mas não faziam religiões utilizando o computador, de modo algum, era tudo gente de bem, que varriam com vassouras mesmo, e todas essas estruturas ternárias não são um mistério, são a narrativa daquilo que você faz e do que eles faziam. Mas dois braços e duas pernas fazem quatro, e eis que quatro é igualmente um belo número, principalmente quando se pensa que os animais têm quatro patas e de quatro é que andam as crianças pequenas, como bem sabia a Esfinge. Cinco não falemos disso, são os dedos da mão, e com as duas mãos tens aquele número sagrado que é o dez, e por força são dez até mesmo os mandamentos, por outro lado se fossem doze, quando o padre diz um, dois, três e mostra os dedos, para chegar aos dois últimos tinha que pedir emprestado a mão do sacristão. Agora toma o corpo e conta todas as coisas que despontam do tronco, braços e pernas, cabeça e pênis são seis, mas para a mulher são sete, por isso me parece que entre os seus autores o número seis nunca foi tomado a sério senão como o dobro de três, porque funciona só para os machos, os quais não têm nada sete, e como eles é que mandam preferem vê-lo como número sagrado, esquecendo-se que também as minhas tetas despontam para fora, mas paciência. Oito — meu deus, não temos nenhum oito… não, espere, se não contarmos braços e pernas como um, mas como dois, por causa dos cotovelos e dos joelhos, temos oito grandes ossos longos que balançam para fora, e tome estes oito e mais o tronco e tens nove, e se puder mete aí também a cabeça e temos dez. E sempre girando em torno consegue-se arrancar todos os números que quisermos, pense nos buracos…”

“Nos buracos?”
“Sim, quantos buracos tem o corpo?”
“Bem”, comecei a contar. “Olhos, narinas, orelhas, boca, cu, oito.”

“Está vendo? Outra região em que o oito é um belo número. Mas eu tenho nove! E com o nono faço vir ao mundo, e eis por que o nove é mais divino que o oito!” – Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault.

Já os naipes nos dizem às áreas correspondentes: vontade, emoção, razão, questões da vida cotidiana ou bens materiais…
Enquanto ferramentas mágicas, de forma bastante genérica podemos descrever as armas e naipes de acordo com o seguinte grau de desenvolvimento:
Arma – Bastão Naipe – Paus ou Bastões = A capacidade onipotente de criar ou fazer qualquer coisa;
Arma – Cálice – Naipe – Copas = Conhecimento onisciente e compreensão de todas as coisas ao longo de todos os tempos;
Arma – Espada Naipe – Espadas = Onipresente presença em todas as coisas e todos os tempos;
Arma – Pantáculo Naipe – Pantáculos, Discos ou Ouros = Eterno, atemporal, sem limites.
Ou seja, de acordo com o Tarot, em nível espiritual buscamos chegar a ser: “Onipotentes, Oniscientes, Onipresentes e Eternos”.
Ver tudo isso arrumado sobre uma mesa é fácil. Pelas próprias cores nas cartas, somos capazes de ver de cima o fluxo da energia correndo entre as cartas… É só espalhar o Tarot sobre a mesa ordenadamente, naipe por naipe e as cores fazem um mapa da energia (Qi, Mana, Prana, Hekau). A Golden Dawn desenvolveu o Hodos Chamaelonis e Crowley o ampliou chegando ao Liber 777, onde as cores possuem aplicações mágicas. Por exemplo: na Golden Dawn havia uma série de exercícios chamados de “Tabelas Ofuscantes”, onde se combinavam cores organizadas de acordo com a cor complementar de cada uma delas, para levar a mente a estados alterados de consciência, e algo disso é proposto no Tarot da Golden Dawn e no Tarot de Thoth igualmente. Esta é certamente uma ideia que vale expandir em termos de pesquisa: em como as cores destes Tarots podem influenciar na leitura, interpretação ou mesmo na meditação e uso ritualístico das lâminas.
Vivemos num mundo formado por energias que estão constantemente em movimento, desde a menor até a maior parte. Tudo vibra, tudo está em eterna mudança, é o eterno fluxo e refluxo do Tao e também do Kybalion. Os povos antigos perceberam esse movimento, e deram a ele vários nomes, dependendo de como essa cultura percebia a energia.
Os Egípcios usavam o termo Hekau para designar esse poder e por vezes o termo Mana. Os Hindus chamam-na de Prana, e os Chineses chamam-na de Qi. Tudo no universo é formado por essas energias primordiais. Desde a menor parte do átomo, o homem, o ar e o planeta tudo é formado por essa energia. Algumas culturas possuem subdivisões dessa energia, mas no nosso caso, vamos tratá-la apenas no termo geral, que será o suficiente. Tudo no universo interage a esse eterno movimento. Aquilo que não age nem reage está morto. No budismo, cuja única constante é a impermanência, a imobilidade significa a extinção absoluta.
Mas como pode ser constatado por certos modelos da Física atual, como a Termodinâmica, a quantidade de energia no universo não aumenta nem diminui, de onde podemos concluir que mesmo a morte é uma ilusão. Portanto, já que a morte é uma ilusão, deduzimos então que a imobilidade também não existe. E uma vez que tudo está em eterno movimento, indo de um lado para o outro, esse movimento pode ser percebido desde que usemos os instrumentos adequados. Existem instrumentos para medir a velocidade, a quantidade das coisas, o peso, e o tamanho. Bússolas, compassos, réguas, temos medidas para quase tudo, até mesmo para a parte mais sutil dessa energia, como os pêndulos, as Runas, o I Ching (Livro das Mutações do Qi), e o que é atualmente nosso objeto de estudo, o Tarot.
Às vezes vem à mente a conversa entre Arjuna e Krishna, poucos instantes antes da batalha entre os irmãos, que nos faz refletir sobre o que é estar morto e se é realmente possível morrer:


“Sou tudo o que tu pensas. Tudo o que tu dizes. Tudo está em mim, como pérolas num colar. Sou o cheiro da terra e o calor do fogo. Sou a aparição e o desaparecimento. Sou a isca do caçador. Sou o brilho de tudo que brilha. Sou o tempo que envelheceu. Todos os seres caem dentro da noite e são trazidos à luz do dia. Já derrotei todos esses inimigos. Mas quem acha que pode matar e quem acha que pode ser morto, estão ambos enganados. Nenhuma arma pode tirar sua vida. Nenhum fogo pode queimá-la. Nenhuma água pode inundá-la. Nenhum vento pode secá-la. Não temas… Levanta-te, porque te amo. Agora podes dominar teu espírito misterioso e incompreensível. Podes ver seu outro lado. Aja como tens de agir. Eu mesmo ajo sempre. Levanta-te.”


Sabe-se há muito tempo que existem influências invisíveis, mas não imperceptíveis que agem ao nosso redor. Jung chama de sincronicidade esse “captar” energias e aplicou com sucesso sua teoria envolvendo o I Ching. Sincronicidade pode ser definida como a ocorrência simultânea de dois eventos. “Ou seja, numa velocidade superior à da energia eletromagnética, como eu pensar em alguém na mesma hora em que esse alguém pensa em mim, ou meu cachorro saber o momento exato em que decido voltar para casa (uma interconexão no universo, que atravessa o continuum espaço-tempo de Einstein, superando a velocidade da luz e utilizando-se de campos sutis indetectáveis, não-físicos, não-locais, não-lineares)”. – Jomar Morais.
Agora pensem o seguinte: No seu dia-a-dia, as coisas ocorrem ordenadamente? Obviamente, não. E é por isso que embaralhamos o Tarot, para simular as energias desordenadas do dia-a-dia que não podemos controlar e que bagunçam a nossa ordem interna.
De tempos em tempos ordenar as cartas zerando o hodômetro do Tarot. Você pega as cartas e coloca de novo na ordem. Você coloca seu Tarot indo do louco ao universo, dos ases aos 10…
Agora uma reflexão: se você pode facilmente ordenar o Tarot, porque não pode ordenar a vida sequencialmente? Pois o Tarot não reflete os padrões do mundo? Se o mundo influencia o Tarot, pode o Tarot influenciar o mundo? Poder pode, mas como se faz?
Poder não quer dizer que seja o ideal, pois o Tarot indica sempre movimento. Zerar o Tarot, ordená-lo e manter esse arranjo, é gerar estagnação, é morrer. Logo, você pode ordenar por um tempo, mas se houver VIDA ali dentro, rapidamente ele vai novamente se re-ordenar… Logo, o que o magista precisa realmente fazer, não é ordenar o Tarot, é descobrir o ritmo e a sequência ideal para si mesmo. É como embaralhar as cartas a seu favor… Algo como… Roubar no jogo! O magista deve sempre dispor as cartas da melhor maneira possível, que permita o fluxo de energia, pois sabe que parar ou bloquear o fluxo é morrer.
Dessa forma, você vê que o Tarot se encaixa na definição de magia: “Magia é a Arte ou Ciência de causar mudanças de acordo com a Vontade.” – Aleister Crowley.
Dentro do sistema mágico adotado e praticado pela Golden Dawn, o Tarot possuía lugar de destaque. A ordem tinha forte influência do rosacrucianismo, e segundo os antigos manifestos rosacruzes, seu mítico fundador, Christian Rosenkreuz fora enterrado em uma tumba e com ele um misterioso livro chamado Liber Mundi (ou Livro do Mundo), um volume que continha todo conhecimento produzido pela humanidade. Talvez nos pareça hoje um conto de fadas, mas a Golden Dawn postula que talvez esse misterioso livro fosse o Tarot, um livro de apenas 78 lâminas, capaz de conter em si, todo conhecimento sagrado (divino) e humano. Como dizem as lendas relativas à criação do Tarot: “Aquele que tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir”, conseguirá extrair conhecimento daquelas lâminas.
Nesta perspectiva, retomamos o Tarot como grande grimório ou receituário mágico, que não apenas reflete o mundo, mas revela os seus segredos mais íntimos, e contém mistérios inimagináveis sobre deuses e demônios, sobre a história humana e como ela se desenvolveu ao longo do tempo. O magista deve portanto durante seu processo de aprendizado, aprender a decifrar esses segredos, e incorporá-los na sua vida diária. Fazendo isso, será não apenas um mestre de si mesmo, mas também um mestre do mundo ao seu redor e das energias que o cercam.
Diversas ordens alinhadas com o pensamento oriundo da Golden Dawn utilizam o Tarot como uma ferramenta de auto-desenvolvimento e percepção dos padrões do mundo. O próprio CIH (Círculo Iniciático de Hermes) se utiliza do Tarot em sua estrutura, e para demonstrar como o fazemos de forma prática, segue-se aqui um extrato do Manifesto do Círculo Iniciático de Hermes, que norteia nossas práticas e nosso desenvolvimento, para que fique evidente ao estudante que o Tarot pode ser utilizado de forma prática e real, sem distorções ou fantasias.

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